Quando cheguei em Reggiolo, o prefeito da cidade foi me buscar na estação de trem. Claro, me senti lisonjeado com tamanha consideração. Logo entendi o real motivo. Na pequenina cidade de cerca de 9 mil habitantes, não existe táxi, motorista de aplicativo, ônibus de linha, metrô...
Em uma mistura de italiano e inglês, Roberto Angeli, o “Sindaco” da comuna de Reggiolo, me explica que todos os lugares que pretendo visitar são próximos, mas que seria melhor eu conseguir uma bicicleta. Missão dada, missão cumprida. O dono da casa em que eu ficaria hospedado pelas próximas 36 horas disse que não usaria a bicicleta dele nos próximos dias, então ela estava à minha disposição.
Assim é Reggiolo, na charmosa região de Emília-Romagna, norte da Itália. Um povo simples, mas extremamente prestativo e companheiro. Foi lá que Carlo Ancelotti, agora técnico da seleção brasileira, nasceu e cresceu. E dessa comuna levou características de sua personalidade que fariam enorme diferença em sua carreira de jogador e de treinador.
“Carlo se dá bem com todo mundo. Atletas, donos de clube, funcionários, imprensa. Tem o espírito leve, algo que combina muito com o Brasil”, diz Fausto Mazza, amigo de infância.
Conversando com gente que o conhece desde os primeiros anos de vida, foi fácil traçar um perfil de Carletto. Nasceu e cresceu como um menino comum. Ajudava o pai a tirar leite de vaca para produzir o famoso queijo Reggiolo Parmigiano. Frequentava o colégio e o oratório (local onde os jovens estudam música, praticam esportes e fazem parte de celebrações religiosas). Era bom em esportes como atletismo e ciclismo. Mas dedicava a maior parte do tempo livre à paixão de sua vida: o futebol.
Jogou no Reggiolo, principal clube da cidade, dos 14 aos 16 anos. “Ele me ajudava com os outros meninos. Fazia parte de todas as brincadeiras, mas na hora de treinar, era o que mais levava a sério. Com ele, era mais fácil colocar ordem. Sempre mostrou uma dedicação acima da média. Jogava com paixão, e se dependesse dele, aria o dia inteiro dentro do campo”, conta o treinador de Carlo nesse período, Frank Silvestro.
Aos 16, Ancelotti acabou chamando a atenção de um clube maior, de uma cidade igualmente maior: Parma, que fica a 45 quilômetros de distância. O resto, é história.
O que mais chama a atenção é que o treinador, mesmo já não tendo nenhum familiar em Reggiolo, mantém uma relação muito próxima com a cidade. Fausto Mazza mostra orgulhoso a foto de um torneio de 1995, ano em que Carletto começaria a carreira de técnico.
Fausto montou um time muito forte com ex-jogadores do Reggiolo, incluindo Ancelotti. A equipe sobrou tanto que ele nunca mais foi chamado para participar de torneio nenhum. Aldo Ferrari, que foi presidente do Milan Club Carlo Ancelotti di Reggiolo (como o nome deixa claro, uma homenagem ao homem mais famoso da cidade), conta que Carlo convidou 52 jogadores do clube para almoçar com o elenco do Milan, além de assistir uma partida no San Siro. Algo que até hoje eles não acreditam.
Já Almos Androvani, outro amigo de infância, pega o celular e me envia registros de quando, a convite de Carlo, foi assistir a uma partida do Real Madrid, além de visitar o centro de treinamento. Lá, teve a oportunidade de conhecer e conversar com Cristiano Ronaldo.
O carinho de Carlo pela sua cidade e amigos de infância é recíproco. O prefeito Roberto Angeli conta ter o plano de renomear o hoje Stadio Comunale Rinaldi, casa do Calcio Reggiolo. A intenção é ar a chamá-lo Stadio Giuseppe Ancelotti, homenagem ao pai de Carlo.
“O Carletto vai ar na cidade entre junho e julho. Vou apresentar essa proposta para ele. Se gostar, no dia seguinte, o estádio já terá um novo nome.”
Aliás, no dia em que cheguei, Roberto me mandou uma mensagem todo orgulhoso, falando que Don Carlo tinha acabado de ligar para ele. Mandou print e tudo. Para o contrato com a seleção brasileira, ele precisa de alguns documentos, como comprovante de nascimento e certificados de família. Ninguém melhor que o Sindaco para conseguir tudo isso com a maior agilidade possível.
E assim foram as 36 horas em Reggiolo. Intensas, indo de bicicleta de um lado para o outro, mas uma experiência deliciosa. Quase como se eu tivesse ficado amigo dos melhores amigos de Carlo Ancelotti. Todos eles pediram para eu mandar a matéria para eles. Foi o que eu fiz assim que o material terminou de ser editado.
A resposta de Aldo Ferrari é mais um exemplo do espírito que reina nessa simpática cidade: “Obrigado por contar a nossa história. Somos muito orgulhosos dela. Você sempre será bem-vindo a Reggiolo”.