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Cruzeiro: ex-dirigente prevê 'buraco mais fundo' se clube não reconhecer que 'quebrou' e pede 'estátua' para patrocinador 5m5a

Após ser demitido pelo Cruzeiro junto com o técnico Adílson Batista, o executivo de futebol Ocimar Bolicenho falou sobre a situação do clube celeste, em entrevista exclusiva ao ESPN.com.br.

O antigo dirigente alegou problemas para realizar o trabalho e criticou a pressa por resultados. Para ele, o Estadual deveria ser um "laboratório" para a disputa da Série B de 2020.

Além disso, ele afirma que o Cruzeiro precisa reconhecer a grave crise financeira e tomar medidas urgentes.

Como foi o período de trabalho?
A gente encontrou um cenário de caos. Uma equipe que tinha poucos jogadores para a pré-temporada e muitos jogadores com uma situação indefinida e quatro meses e meio de salários atrasados. Um período de definição muito rápido para quem iria aceitar a nova situação com redução de salários, o que iriam entrar na justiça. Os primeiros 30 dias simplesmente para tomar pé da situação.

Quais eram seus planos?
A estratégia foi resolver os problemas anteriores para ter um esboço de equipe para o Estadual. A ideia era jogar com quem sobrasse, principalmente com os meninos da base. O estadual era para ser um laboratório para ganhar a Série B. Tentaríamos pegar os destaques do Paulista porque a primeira opção de todos eles seria o Cruzeiro na Série B. Infelizmente, as pessoas levam em conta o resultado. Como ganhamos as quatro primeiras partidas do Estadual isso gerou uma expectativa acima.

O que influenciou a saída do Pedro Lourenço do Conselho Gestor?
Oresponsável pelo futebol era o Pedro Lourenço, que foi a pessoa quem me contratou. Só que três dias depois da minha chegada ele saiu do Conselho Gestor pelo que estava ocorrendo. Todo conselho queria dizer o que estava ocorrendo no futebol sem ter a vivência no futebol. Desde o inicio o conselho tem tomado as decisões tanto estratégicas quanto financeiras. Decisões minhas, como executivo, foram muito poucas. Apenas o Carlos Ferreira tinha ligação com o futebol. Os outros nem sequer vinham ao futebol, mas tomavam as decisões.

Como era a relação com o Conselho?
São oito pessoas que vieram com boa intenção e índole do mercado, mas sem vivência com o futebol. Toda pessoa que entra no futebol é beliscada pelo arinho azul e se esquece que não tem experiência e resolve fazer como se fosse nas empresas deles. Futebol é diferente.

Como estava a situação do elenco?
Não havia uma decisão institucional do que deveria ser feito. Quando eu cheguei todos os jogadores poderiam entrar na Justiça porque tinham 4 meses e meio de salários atrasados. Se afastássemos quem não seria utilizado seria um grande impulsionador de ações na Justiça. Eu e o Adílson demos a sugestão para afastar quem não fosse ser utilizado. Vinham recomendações para não fazermos isso. Ficou na dependência da decisão do conselho. Isso atrasou muito a formação do elenco.

Cite um exemplo...
Vamos usar como exemplo o caso do Fred. Tinha um volume muito grande de valores no contrato dele e a decisão precisaria ser firme. Vamos propor uma repactuação da dívida ou enfrentar a justiça? Enquanto isso, ele ficou treinando com o grupo, mas sem saber o que seria o futuro dele. O Manoel e o Rafael também... O Adílson quis dizer que trabalhamos com uma colcha de retalhos. Um dia depois que o time foi eliminado na Copinha, 11 garotos foram integrados ao profissional. Isso foi ruim até para os meninos. Nossa ideia era fazer uma filtragem. Alguns que ficaram também não tínhamos interesse que ficasse e eles seriam afastados. Mas para evitar uma ação fizeram a repactuação pelo bem do Cruzeiro porque seria uma ação a menos na Justiça.

Eles barraram nomes que vocês pediram?
Claro! Por motivos financeiros e até por acharem que o jogador não tinha condições de jogar. O Foguinho, do Criciúma, por exemplo. Ele foi um dos principais jogadores na Série B do ano ado. O Adílson tirou as melhores informações dele com os treinadores. O Pedro BH ia ajudar na composição da parte financeira, mas não conseguimos contratá-lo porque ele foi vetado.

Vocês estavam de mãos atadas nas contratações?
Não conseguia tomar nenhuma decisão para contratar um jogador porque cada membro do conselho tem uma opinião e tinha a parte financeira, que era definida por eles. Tínhamos uma grande dificuldade de aparar as arestas e não tínhamos como fazer uma decisão ágil como o futebol exige. Trouxemos o João Lucas a pedido do Adílson que tinha trabalhado com ele no Ceará. Trouxemos o Jonathan e o Machado na transação com o Grêmio com salários pagos por eles. Depois, contratamos o Everton Felipe e o Marllon, mas nenhuma delas envolveu dinheiro. Se alguma delas envolvesse, teria dificuldade para completar porque dependia do conselho. Eram 8 pessoas que não eram do futebol votando no que poderia ou não ser feito. Nenhuma contratação deixava de ar pelo conselho, incluindo as gratuitas.

As campanhas não eram ruins?
Eu achava que o Cruzeiro tinha que sacrificar o Estadual mesmo para cumprir tabela. Uma pessoa sabe que quebrou quando tem a humildade de reconhecer que quebrou. Enquanto ela não reconhecer isso, ela terá uma oportunidade de fazer um buraco mais fundo do que ela já está. Essa é a situação do Cruzeiro hoje. As vitórias criaram uma expectativa de que o time poderia ser campeão do jeito que ele está. O que seria algo muito improvável.

O Pedro Lourenço de alguma forma atrapalha na forma de gerir o futebol?
De forma nenhuma. O Cruzeiro tinha que fazer uma estátua para o Pedro BH! Mesmo saindo no terceiro dia ele nunca deixou de ajudar o clube. Nunca interferiu nas nossas atitudes e nos incentivou.

Como era a relação com o Adílson?
Era muito boa. Não tivemos nenhum problema, conversávamos todos os dias e debatíamos todas as contrações antes de levar para o conselho gestor.

O Adílson disse que os jogadores comandavam o clube. O ambiente era ruim?
Ele falou isso sobre a situação do ano ado. Esse ano o ambiente com os jogadores era dos melhores. Conseguimos nos livrar dos que proporcionaram essa situação, mas não no tempo que gostaríamos. Quem ficou teve comportamento exemplar.

Qual o saldo da sua agem pelo Cruzeiro?
O Cruzeiro me deu poucos recursos para montar um time e me deu muito mais volume de trabalho interno para regular algo que estava fora da curva. Acredito que 50 dias é um tempo muito curto para estabelecer qualquer estratégia ou determinar processos. O Cruzeiro tem 3 sedes muito distantes e departamentos que funcionam separados e que interferem no futebol. Não tive as ferramentas que gostaria para reconstruir o Cruzeiro. Tentei fazer com o que tinha e saio com cabeça erguida. Tudo que esteve ao meu alcance procurei fazer.