Há exatos 30 anos a Alemanha dava o o mais importante para voltar a ser uma só. A queda do Muro de Berlim no dia 9 de novembro de 1989 representou o fim da barreira que separou o território em dois por 28 anos (ao todo, foram mais de quatro décadas de país dividido) e o marco histórico da reunificação que viria no ano seguinte.
Muita coisa mudou desde então. O leste se juntou ao oeste e a Alemanha unificada ou a ter apenas uma moeda, as mesmas leis, regras e valores. A divisão havia acabado.
Mas não no futebol.
Três décadas depois, o leste alemão ainda é coadjuvante quando o assunto é o esporte mais popular do planeta. Desde a queda do Muro de Berlim, a Bundesliga está indo para a 29ª temporada completa. No período, somente seis clubes da antiga Alemanha Oriental estiveram na elite. O Union Berlin foi o último a integrar a lista ao chegar à competição de forma inédita nesta temporada – trata-se também do primeiro clube da Berlim Oriental a disputar a primeira divisão desde o evento histórico.
As glórias também am longe. Até o sucesso recente do RB Leipzig, o melhor desempenho havia sido com o Hansa Rostock, que emplacou dois sextos lugares em 1996 e 1998 – atualmente o clube está na terceira divisão.
Dynamo Dresden, Energie Cottbus e 1. FC Lokomotive Leipzig também estiveram na elite e hoje figuram na segunda, terceira e quarta divisões, respectivamente. Além disso, em oito edições da Bundesliga não houve times da antiga Alemanha Oriental.
A resposta para isso é, basicamente, a economia.
"Nos anos seguintes após a queda do muro, alguns clubes (do Leste) tinham condições de disputar a Bundesliga, mas isso não durou muito tempo", disse Jörg Hobusch, editor do jornal alemão Sport Bild, ao ESPN.com.br.
"Os melhores jogadores do leste se mudaram para clubes do oeste. Lá eles ganhavam muito mais dinheiro. Não havia empresas com muito dinheiro na Alemanha Oriental. E as grandes empresas do oeste não tinham relações com as do leste. Outro problema: os clubes do leste, inclusive em Berlim, tinham infraestruturas realmente ruins. Estádio, centro de treinamento... nada tinha o mesmo status comparado com os clubes do oeste naquela época. Além disso, as pessoas que istravam os clubes do leste não sabiam como trabalhar no capitalismo. Eles cometiam muitos erros", acrescentou.
"As pessoas que istravam os clubes do leste não sabiam como trabalhar no capitalismo. Eles cometiam muitos erros" Jörg Hobusch
O problema, inclusive, vai além das quatro linhas. Mesmo hoje, há diferenças na vida em cada um dos lados da Alemanha.
Uma pesquisa do governo alemão em setembro deste ano mostrou que 57% das pessoas que vivem no leste do país se sentem como cidadãos de segunda classe. Além disso, a renda per capita na região é cerca de 20% menor. De acordo com dados estatísticos federais e estaduais do partido Die Linke, os trabalhadores trabalham mais - em torno de 67 horas por ano - e ganham menos que o resto da Alemanha. A média salarial é 15% menor e não hão há uma única grande empresa com sede no leste.
O futebol mais uma vez reflete essa diferença. Na seleção alemã que disputou a Copa do Mundo da Rússia em 2018, apenas Toni Kroos nasceu no lado leste do país. O “isolamento” da região acontece de tal forma que, 30 anos após a queda do Muro que dividia o país, 20% dos alemães do oeste nunca visitaram a antiga Alemanha Oriental, segundo publicação da Deutsche Welle.
"A diferença entre a antiga Alemanha Oriental e Ocidental não é enorme, em termos da vida cotidiana, mas apenas ando alguns dias no que era a Alemanha Oriental e conversando com os habitantes locais, você pode senti-la. As pessoas pensam e se expressam de maneira diferente, especialmente a geração mais velha", contou o britânico Ryland James, correspondente da AFP Sports em Berlim há 12 anos.
"Se você visitar Dresden e Leipzig, por exemplo, não precisaria andar muito longe do centro da cidade para ver edifícios em mau estado, o que não se vê nas cidades do oeste da Alemanha, como Düsseldorf e Frankfurt", completou.
A evolução no lado leste da Alemanha vem acontecendo ao longo dos anos. Tudo, porém, de forma lenta.
Dados do relatório anual sobre a reunificação (publicado em setembro de 2019):
57% dos cidadãos do leste alemão se sentem de segunda classe
38% vê a reunificação como um sucesso
75% é a força da economia do leste em relação ao oeste. Em 1990, o a diferença era bem maior: 43%
84% é o em média o salário dos alemães do leste em relação aos do oeste
6,5% é o nível de desemprego em agosto de 2019. Em 2015, o número era de 18,7%.
O sucesso do Leipzig 2qa5
Contraditoriamente à história, o sucesso/esperança da Alemanha Oriental no futebol após a reunificação vem do clube mais capitalista no país: o RB Leipzig.
O clube foi fundado em maio de 2009, tendo adquirido a licença do SSV Markranstädt para disputar a quinta divisão. Com um estádio de Copa do Mundo na cidade, que tem cerca de 600 mil habitantes e é uma das dez mais populosas da Alemanha, além de ser um reduto cultural, Leipzig era um local estratégico para um novo negócio - digo, clube de futebol.
Contando completamente com o e da Red Bull, o clube conseguiu ir da quinta para a primeira divisão em sete anos. Na estreia na Bundesliga, foi vice-campeão.
Tamanho sucesso se deu em meio a uma grande torcida contra, pelo fato de o time ter uma linha paradoxal ao que representa o futebol alemão em sua maioria. Em um campeonato no qual há regras para evitar que ocorra como no Campeonato Inglês, em que magnatas assumem o controle dos times, o Leipzig deu um 'drible'. Legalmente, um clube não pode ter um dono majoritário em solo germânico - a exceção se dá quando um acionista apoia um clube por pelo menos 20 anos. Neste caso, tal pessoa ou empresa pode assumir majoritariamente o controle, casos de Wolfsburg (Volkswagen) e Bayer Leverkusen (Bayer).
O perfil na contramão do futebol germânico tem no próprio nome do clube um bom reflexo. Engana-se quem pensa que RB Leipzig signifique Red Bull Leipzig. RB, na verdade, é Rasen Ballsport (esporte com bola sobre o gramado, em alemão), já que é proibido que o nome da marca seja o do time, neste caso. Porém, o clube não deixa de ter em seu escudo os touros que fazem parte também do emblema da empresa de energéticos.
Como reflexo, torcedores de outros times chegaram a criar uma campanha chamada 'Nein zu RB' (não ao RB, em português). Já houve também o episódio chocante de uma cabeça decepada de um touro ser lançada em direção ao campo em uma partida contra o Dynamo Dresden.
"A maioria das pessoas não gostam do RB Leipzg. Eles o chamam de 'clube de plástico' sem tradição. E eles sentem inveja por conta das possibilidades que eles têm com todo aquele dinheiro. Mas ultimamente muitas pessoas não odeiam mais o RB porque eles jogam um futebol atrativo", disse Hobusch.
O futebol atrativo e bem-sucedido em campo foi atingido sem 'apelar' na contratação de nomes já prestigiados. Pelo contrário, a metodologia do clube é de investir na maioria das vezes em atletas que não ultraem os 25 anos de idade. Parte deles são jogadores que brilharam no Red Bull Salzburg, casos de Naby Keita e o brasileiro Bernardo, por exemplo. De qualquer forma, o clube coloca a mão no bolso. Desde que está na elite, gastou 146,69 milhões de euros entre chegadas e saídas de atletas, maior valor na Bundesliga no período.
Agora, o próximo o é saber se o RB Leipzig será realmente capaz de derrubar o muro que ainda separa o futebol alemão.